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"A ALMA É ESCRAVA DA NATUREZA ERRANTE QUE A OCUPA..."
by me

...é engraçado a força que as coisas parecem ter...quando elas precisam acontecer!

domingo, 3 de agosto de 2008

IMAGENS DESLOCADAS


É incrível como partilhamos imagens constantemente por meio das relações que contraímos, e das situações que assimilamos; mesmo que numa visão subjetiva e pessoal, acabamos unindo-nos por fragmentos e forças semelhantes!

Isso, foi um fato curioso que presenciei no curso de Interpretação, e me fez refletir sobre o assunto quase que instantaneamente...

Debatíamos sobre o processo de Stanislavski, como de costume...

Começamos a falar das forças motivas interiores e de como mantermos essa linha contínua de impressões e sentimentos através das imagens..., foi então que nosso professor Marcos, começou a nos dar exemplos de como conciliarmos essas imagens relatando a perda de seu avô ,recentemente, como exemplo ao que estávamos pesquisando naquele instante...e, como tudo aquilo lhe remetia um filme à mente....

Entramos em discussão sobre como através de fatos reais e cotidianos como esse, poderíamos colher milhões de imagens que mudariam toda nossa atenção e ação; tanto interna quanto externa... e como as mesmas, são uma das bases principais pra resgatar os impulsos necessários que tornam uma cena verídica...

Nessa hora como que num impulso latente, resgatei a imagem também de meu avô, que vi falecer quando tinha oito anos...

Era tão forte que não conseguia abstraí-la da mente...

Fincava-me agulhas nas clavículas, percorrendo toda a espinha, e esmagando-a ...era um filme que queria pausar, mas seguia enrolado na película fatal... ,era a fina fita de metal enroscada num nó apertado e corrosivo...

Na época, não tinha tido coragem suficiente pra vê-lo assim...morto..., não conseguia admitir essa imagem...Mas nesse instante o via..., todo lá deitado, naquele barco de madeira: imóvel, frio, denso... Era como se tivesse resgatado a possibilidade de despedir-me dele .... só que dessa vez, de verdade...

Toda vida mantinha-o vivo dentro de mim, numa caixinha lacrada e suspensa , ocultada num labirinto interno...

Tão raso e tão profundo...que lá repousava anos a fio...

Meu pedaço inconsciente do mundo...

Num instante já me via pequena e com frio... em frente aquele pátio imenso, que mais parecia a fachada de um posto de saúde... estava perdida..., ninguém me ouvia, nem davam respostas às minhas perguntas...

Impasse lógico para um adulto, porém insatisfatório para uma criança...

Queria acreditar que realmente fosse um posto... que meu avô sairia de lá vivo...

Mas havia vozes crescentes e angustiantes me persuadindo ...

Quando compreendi tudo o que estava ocorrendo, não me movia..., uma força sugou meus pés pequeninos e gélidos, impulsionando-os contra o chão, com tamanha voracidade que chegavam à agredir os calcanhares... Senti cada tendão romper-se um no outro...

Queria que tudo à minha volta adoecesse... Todas as pessoas que alí estavam tinham que ser espremidas dentro do meu desespero... nivelando minha face alagada e minha sorte exaurida...

Mas todos eram grandes e distantes... se abraçavam e conversavam com uma constância descontroladamente lúdica de entristecimento...

Ostentavam uma salubridade vigorosa de rigidez desconfortante, contrastando discaradamente com o sentimento de perda que queriam revelar... Davam seus “pêsames”...,eu não os aceitava,... eram só palavras feias e fracas ..., mortas e apagadas, frases típicas que só serviam de adorno à própria imagem deles naquele dilúvio...

Para mim, a maioria alí só aparentava isso... como numa festa de aniversário em que todos querem aparecer nas fotos ...

Era a simulação perfeita do que jamais poderíamos apresentar em cena, exatamente como o Marcos sempre nos advertira...Ora eram gestos exagerados, ora mecânicos...Tudo tão nulo e vazio!

Eram paredes tumultuantes que expunham suas costas, com seus ombros esguios, tensos e faces, caladas...Num passe... deslocavam-se e agrupavam-se em fileiras...Fugia delas temendo que me levassem àquele labirinto sufocante...

Eu as detestava no fundo, e também odiava tudo que estava à minha volta naquele instante..., até as coisas inanimadas queria que sofressem comigo; queria que as flores perdessem a cor, as árvores...suas folhas; os ternos... a elegância; os saltos... a altivez; e os pássaros... o canto... Então, deprimida, na minha inquietação gritei...gritei.... e gritei..., com a garganta arranhando o peito febril e despedaçado... Queria que o mundo todo ouvisse, e absorvesse até meu último fôlego, na esperança inconsciente de trazê-lo de volta à vida com o ar que lhe faltara nos pulmões no instante em que partiu...

Meu coração pulsava no estômago, e escorriam veias nas lágrimas...

Tudo ardia,... cacos de porcelana fragmentavam minha pele...Uma visão contorcida abria um buraco nas pálpebras , mergulhando meus olhos dentro de um balde de água que fervia...

Foi minha primeira grande perda!

Depois de ter me atirado aos prantos,... respirei profundamente, apesar dos espasmos... e então, tudo à minha volta paralisou-se ...Comecei a ver grandes olhos por todos os lados..., vi o cimento daquelas paredes libertar-se lentamente do concreto...decompondo-se, tornando-se maleáveis. Aos poucos, começavam a contornar meu semblante... até respirarem junto comigo!

Notei que me acolhiam... e que eram pessoas!


Descobri que quando perdemos as pessoas que amamos, todo nosso céu encantador- camada superficial e dócil que tecemos cuidadosamente, a qual nos elevam acima de toda exatidão beligerante ..., transpõe-se vulgarmente num movimento brusco interno, que se funde ao extremo de um chão violento, denso e devorador...


Nossas pálpebras de asas pequenas...

Uma cessação de hostilidades atmosféricas!

Como um filme rodado ao contrário, já consegui ver meu avô sentado na sua poltrona cativa, tomando seu cafezinho, tocando cavaquinho, e assistindo tv ...Vi seu sorriso delicado e manhoso que continha faceiro num canto da boca,... como quem quer rir e dizer algo ao mesmo tempo...

Achava graça quando o via dormir sentado na poltrona... Era quase sempre...

Minha avó também ria comigo..., mantínhamos sempre essa cumplicidade...

Ouvia ele me chamando com uma voz baixa e engraçada..., tinha dificuldade de pronunciar meu nome e também todos os ‘érres’ de qualquer palavra... era ‘Patyça’, como minha irmã mais nova me chamava quando pequena...

Às vezes não entendia grande parte do que ele pronunciava, mas prestava tanta atenção que cada som e cada movimento dos lábios, tornava-se uma música divertida e suave que me embalava... Era uma amabilidade precisa e arrematadora...

( A importância de ouvir-nos em cena, era exatamente isso!)

Um silêncio transbordante nos unia... e alí, não havia nada que coubesse em palavras... Tudo que pairava no ar, consumia os olhos...proclamando uma docibilidade sagrada!


Sentia uma artéria ameaçadora impulsionando o canto mais forte do peito...onde as existências são maiores!!!

Correntes elétricas persuadiam todo meu corpo...Uma felicidade infantil, que reina até hoje naquela casa !

Vejo ainda suas mãos ásperas e rígidas me segurando no colo... pincelando cada corda da viola ou do cavaquinho; mãos de quem constrói, de quem cria e edifica lares... Eram mãos cheias de cal ,poeira e restos de construção.... mas eram as mais belas que existiam! Conduziam-me à uma simplicidade de tijolos intercalados, que ostentavam tudo de mais nobre que eu já havia visto...Um pedreiro que aplicava as lições de seu ofício no manusear da própria vida... Estruturava alicerces fortes com a família !

Minha referência, meu repouso...,meu outono primaveril que vi desfazer-se aos poucos...num fio...

Esse, que de repente, num impulso incontrolável era um barbante que atirava um pião... Suas mãos construíam toda arte encantadora e colorida!

Era a pintura parcial que locomovia e moldava o quadro principal da minha vida!

Ele me ensinava como era bom sentar numa varanda descalça em dias chuvosos, comendo bolinhos com café... observando cada gota que caía... com seu ritmo único e sua música impermeável, seu olhar refrescante....Tudo tinha um sabor irreproduzível!

Alí eu consumia humildade!!!

Hoje eu sei que ele ainda está aqui dentro, tocando a sua viola, com suas canções infinitas e infantis...ou ainda outras, que na época não compreendia muito o sentido, mas que hoje aprecio e consagro à minha referência musical mais refinada... Cartola, Gonzaguinha...,a essência subvertida de todos aqueles laços, que carrego resumida e faço ressoar todos os dias, irrigando meu peito desolado, reconstruindo-o... pedaço por pedaço...como ele sempre fazia com tudo....no trabalho, consertando meus brinquedos, as cordas de seu cavaquinho, as paredes de uma casa, e toda a minha linda infância!

Não era somente um conserto com ‘s’ comum.... era muito mais que isso...eram sons de uma orquestra vitalícia... uma ópera que operava toda simplicidade numa orquestra de instrumentos rústicos; um martelo tilintando, latas pesadas carregadas de suor ,sendo arrastadas de um lado pro outro, um carrinho cheio de areia com aquela rodinha enferrujada... risos debaixo de um sol encardido com poeira irritante...

Tudo tão harmônico pra mim! O concerto que operava minhas notas, criando a partitura da música mais eterna que carrego comigo...


A vida é uma saudade!!!


Patyça